Nas
noites seguintes começou a estudar os seus dois alvos. O primeiro a ser
estudado era o bandido convertido, que há alguns tempos atrás havia visto no
culto evangélico, gritando “Glória a Jesus!”. Nas noites de culto, ia até
próximo a Igreja e ficava a observar a chegada dos crentes, após dava umas
voltas pelas redondezas deixando o tempo passar, para quando fosse finalizado o
culto, pudesse ver os fieis saindo dela, e vendo o seu alvo o seguia de longe
sem levantar suspeitas, procurando um momento certo para cumprir sua sina.
E assim foi por
muitas ocasiões, sendo que frequentemente via sua amada se fazendo acompanhar
pela mãe estava assídua nos cultos. Ele a fitava de longe, e podia notar nela
um semblante triste o que em muitas destas ocasiões o levava a querer correr ao
seu encontro e desistir por completo de sua promessa.
Sentido seu momento
de fraqueza, procurava sair dali para aguardar sua presa, pois somente ela
daria forças para prosseguir com o seu objetivo vingativo. Somente vendo o
bandido convertido Edi Bala para lembrar-se de sua promessa, pois o ódio era
sua herança.
Em um final de tarde,
após o expediente do posto, dirigiu-se para seu alojamento nos fundos da borracharia,
levantou o velho colchão de espuma, onde ao lado havia uma cavidade feita
estrategicamente. Enfiou a mão lá e alcançou um pequeno volume envolto em um
trapo manchado de óleo. Desembrulhou com cuidado para revelar o seu revolver
limpo e lubrificado.
Na mesma cavidade,
havia um pé de meia preto, onde Tião guardava algumas balas, que havia
adquirido de um Policial. Tanto armas como munições eram facilmente compradas
de Policiais corruptos, que as apreendiam de uns, e em seguida as passavam para
outros interessados. Uma prática rotineira naquela e em outras regiões deste imenso Matogrosso.
Municiou-a e a colocou
na cinta na parte de traz do seu corpo cobrindo-a com a camisa de modo ficar
bem escondida e não levantar suspeitas.
Ao sair do alojamento
encontrou-se com o velho Pedro que estava chegando para o seu turno, empurrava
sua bicicleta onde no guidão havia pendurado uma sacola com uma térmica de café
e um recipiente com biscoitos de polvilhos que trazia para o lanche de mais
tarde.
Tião vendo o seu
velho amigo, já foi logo dizendo:
_ E aí veio, como vai
a mué, tudo bem?!
_Minino aquela veia
num morre tão cedo, ela ainda vai me interra e não duvida não se ela não
interra também o amigo! Soltando uma feliz gargalhada para em seguida estender
a mão para Tião.
Tião cumprimentou o
amigo procurando disfarçar a tensão que estava sendo submetido naquele momento,
pois estava prestes a sair ao encalço de um dos objetivos de sua ira, e se tudo
corresse bem Edi Bala seria notícia e comentários em rodas de botecos no dia
seguinte.
Tião olhou a
bicicleta de Pedro, e foi logo dizendo ao velho:
_Seu Pedro, dá prá me
empresta sua bicicleta, tenho que ir visita um amigo lá pras bandas do
Cuiabazão?
_Pode pegá Tião, eu
não vou usar memo! Respondeu o velho ao jovem Tião.
O velho alcançou sua
sacola que estava pendurado no guidão entregou o veículo para o jovem e foi
logo dizendo:
_Vê se cuida da minha
“magrela” hein Tião!?! Soltando aquela feliz e costumeira risada, achando graça
de sua recomendação.
_Fica carmo veio, eu
vou cuidar como se fosse minha! Falou Tião à Pedro que ainda ria
divertidamente.
_É bom mesmo se não,
não empresto mais! Disse Pedro despedindo-se de Tião e caminhando em direção do
Posto.
Em seguida partiu em
direção a cidade pedalando-a vagarosamente desviando dos inúmeros buracos do
trajeto, porém seu pensamento estava além daquele local, pois iria até a
Igreja, ficaria por ali até o término do culto, e após seguiria Edi, até um
local escuro onde cumpriria sua sina.
Dias antes, quando
Tião o seguia de longe, constatou que havia um quarteirão próximo a casa de
Edi, onde o serviço poderia ser feito. O local era tomado por grandes árvores
frutíferas, como mangueiras, jaqueiras e cajus, plantadas nos quintais, cujos
galhos avançavam em direção ao leito carroçável da rua, tampando as fracas e
quase raras luminárias ali existentes. Tião alguns dias passados havia quebrado
uma das luminárias, com uma pedrada, premeditando o cenário de sua vingança
dificultando ainda mais que alguém pudesse o reconhecer após os disparos.
Tião já havia
observado bem aquele trecho da rua, e na esquina abaixo da casa de sua vítima,
havia um grande terreno baldio, tomada pelo "colonião" e alguns arbustos nativos,
que iriam colaborar ainda mais para sua evasão do local do crime.
Próximo ao término do
culto, Tião pegou a bicicleta e dirigiu-se ao local escolhido, procurou um
lugar escuro e aguardou próximo ao portão da casa de Edi Bala.
Não demorou muito
para que Edi virasse a esquina dois quarteirões acima, Tião pode ver que era
ele, porque este quando não cantarolava algum hino de louvor o assobiava
fervorosamente enquanto caminhava, olhando pelos lados constantemente como
estivesse com medo ou receio de algo. Talvez isto fosse consequência do seu
passado de pistoleiro, onde não hesitava em tirar as vidas que lhe eram
encomendadas.
Edi Bala, tinha medo
do escuro, pois vivia atormentado pelos fantasmas do seu vilipendioso passado,
talvez este seria o motivo de buscar uma Igreja Evangélica e converter-se,
tentando encontrar paz para uma alma atormentada.
Tião o via vindo em
passos largo em sua direção, neste momento lembrou-se de suas caçadas na mata
em Porto dos Gaúchos, quando seu falecido pai, o deixava em um “puleiro”
próximo a um pé de "tucum", aguardando a caça, quase sempre uma Paca. No breu
silencioso da noite, ele podia escutar o ruído que esta fazia nas folhas secas,
quando então se aproximava para roer os cocos, era acender a lanterna
focando-a nos olhos e puxar o gatilho da espingarda, garantindo assim a mistura
do outro dia.
Era quase a mesma
coisa, só que agora não era uma deliciosa Paca, mas sim uma serpente uma grande “Pico de Jaca”[1],
uma peçonhenta, perigosa e rastejante víbora que a muito havia de estar morta.
Com a aproximação de
Edi, Tião pode sentir o seu coração disparar, não sabia se era de medo ou mera
ansiedade, levando-o a alisar a coronha do revolver no mesmo tempo que o
empunhava tirando-o do cinto, colocando-o estrategicamente junto a perna a fim
que sua vítima não visse.
Quando Edi estava
próximo uns três metros, de Tião, e o vendo encostado na cerca, foi logo
dizendo:
_Boa noite
cumpanheiro, deseja arguma coisa?!
_Isso é pelo meu pai,
seu vagabundo!!! - Disse-lhe o Jovem.
Tião apontou-lhe o
revolver na direção da sua vítima e por três vezes puxou fortemente o gatilho, sendo
que os disparos ecoaram noite adentro, acertando o seu alvo na altura do tórax.
Os três tiros alvejaram Edi Bala que ao cair gritava de joelhos com o impacto
dos disparos agonizando e clamando por salvação.
_Me salve Jesus, não
deixe o diabo me levá”
Tião ouvindo aquilo,
guardou o revolver no cinto de onde sacara, montou na bicicleta pedalando-a com
vigor desceu rua abaixo para em seguida virar a esquina acobertado pelo manto
escuro da noite, deixando para trás o corpo de Edi Bala em agonia. Com o
barulho dos estampidos, Tião pode notar que em algumas casas luzes se acendiam,
porém tranquilizou-se por já estar distante do local do homicídio.
Enquanto pedalava a
bicicleta pelas ruas da cidade, sentia o coração palpitando, não só pelo seu
esforço físico mais também de alegria por ter cumprido em parte a sua promessa.
Havia matado um dos que havia tirado a vida do seu velho pai.
Dirigiu-se
rapidamente para o seu quarto, cuidando antes de entregar a bicicleta para
Pedro que foi logo lhe perguntando:
_Voltou logo minino?
– Pedro estava ao lado de uma das bombas de combustível, segurando uma caneca
de plástico azul com café.
_Não quer tomar um
café, tá quentinho? – Disse lhe Pedro Novamente.
_Não Véio, to com um
pouco de sono, brigado pela magrela, vô me deita que amanhã a coisa pega logo
cedo! – Respondeu lhe Tião para em seguida dirigir-se ao seu alojamento,
evitando prolongar o papo com o seu amigo.
Chegando ao seu
quarto, Tião pegou o revolver que estava no cinto, alcançou um recipiente com óleo
e passou a lubrificá-lo, cuidando de tirar os resíduos de pólvora que havia no
cano, com um pedaço de arame amarrado em um dos seus extremos com um pedaço de
estopa embebido em óleo lubrificante.
As cápsulas
deflagradas, Tião cuidou de colocá-las no vaso sanitário para em seguida
acionar a descarga, pois tinha ele certeza que em caso de uma investigação
policial ninguém iria olhar dentro da fossa séptica.
Tião passou uma água
pelo rosto e braços para limpar o suor, e depois disto, deitou-se em sua cama para
tentar dormir, porém a adrenalina que ainda estava em seu sangue não iria
permitir que o sono viesse logo.
Então veio em sua
mente a cena do crime. O som dos disparos ainda ecoava em sua cabeça, fazendo o
seu coração bater forte, lembrando de sua vítima em agonia. Para Tião não havia
remorso, somente regozijo e certeza do dever cumprido.
Ainda faltava um, e
quando terminasse seu intento correria para os braços de sua amada, pra
cobri-la de beijos e possuí-la como mulher. Fechou os olhos e dormiu.
CONTINUA..............
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