Era uma manhã de domingo de
junho, período seco do ano. Havia uma fraca brisa alisando as frondosas
mangueiras muito frequentes naquelas bandas. Os pássaros gorjeavam entre as
folhas. Bandos estridentes de Maritacas sobrevoavam as árvores. Os Anús com
seu canto preguiçoso bolinavam no gramado em busca de grilos, gafanhotos e
outros suculentos insetos.
Tião levantou bem cedo,
vestiu-se e correu para frente do Posto era seu dia de folga. O velho Senhor
Pedro arrumava sua tralha em um bornal, feito de saco de algodão. O velho tinha
trabalhado naquela noite, porém não mostrava cansaço, já que a maior parte do
seu turno este mais dormia do que vigiava. O patrão sabia disto e por conhecer
o Velho a muito tempo, fazia “vista grossa” desta situação já que isto não lhe
trazia prejuízo algum. Tião sorriu,
pensando que suas suspeitas concretizavam em saber que o velho dormia a noite
toda no banco de frente do Posto. Porém se conformava, pois era muito tranquila
aquelas paragens. E gritou cumprimentando-o com jeito galhofeiro.
_ Bão dia Veio, dormiu bem!!
O velho meio sem graça
respondeu-lhe sorrindo.
_ Dormi de que jeito, se de
madrugada na mió hora do sono, a coisa esfria. Sem conta de ocê Tião, que lá do
posto da prá ouvi seu ronco. Vá ronca assim lá na casa do chapéu!!! Soltando em
seguida uma alegre risada.
_ Vamo minino, que hoje oçe
vai cume um frango feito pela minha patroa. Completou Pedro dirigindo-se a
Tião.
Ambos se colocaram a andar
atravessando a BR em direção a cidade. As estreitas e esburacadas ruas de
Rosário era margeadas por pequenas casas, coberta de telhas estilo colonial.
Algumas destas casas eram antigas e denunciava seu passado de bandeirantes e do
garimpo de pedras preciosas. Tião imaginava quanta gente já não havia passado
por aquelas ruelas. Quantas pessoas não havia morado naquelas antigas casas.
Quantas não haviam ali nascidas ou até mesmo morridos. Bateu-lhe um calafrio,
imaginando os fantasmas que poderiam flutuar entre aquelas moradias ao cair da
noite.
A casa de Pedro era antiga
construída com tijolos, como acusava o reboco ruído de suas paredes. Em frente
havia plantas ornamentais, que demonstravam a existência de um pequeno jardim.
Eram estas plantadas perto da cerca de balaústres, varavam entre seus espaços
como quisessem libertar-se do pequeno cativeiro, onde floresciam.
Ao chegar ao pequeno portão
existente na frente do jardim da pequena casa, surgiu repentina uma velha
senhora, que tinha um carcomido lenço em sua cabeça, prendendo os seus brancos
cabelos. Era Benedita, ou Dona Dita, como era conhecida na vizinhança, fiel
esposa de Pedro. A simpática senhora saiu de dentro da casa em direção ao
portão, para receber o marido e o convidado Tião. Tião pode reparar que Dita
quase não mais tinha dentes na boca. Os poucos que possuía estavam destruídos
carcomidos pelo tempo e cobertos por cáries e tártaros. Porém isto, não era sinal de desleixo, mas sim de
miséria, como muitos que moravam naquela cidade, alguns cujos antepassados
certamente tinham o “pé na senzala”. Como todos do seu pequeno círculo de
amizade. Dona Dita saiu toda eufórica com a chegada de ambos e foi logo
dizendo:
_ Votê! Pensei que oceis não
vinha mais. Vamo chegá e tomá um cafezinho.
- A velha foi em direção do
marido dando-lhe um abraço. O Velho meio sem jeito, disse para a mulher
apontando para o menino:
_ Carma véia, não se aveche,
este aqui é o Tião, que trabaia lá no Posto comigo. É o piá de quem eu falei.
_Como vai Tião, tudo bem ?.
_ Vou bem Dona Dita ! E a
senhora?
_ Tudo nas graças do nosso
Senhor Jesus Cristo. Vamo chega pra dentro pra mode tomá um café. Concluiu a
Velha toda sorridente.
E assim todos foram para o
interior da pequena casa. Na sala havia um velho sofá de “napa” todo rasgado,
por onde saia a estofa de enchimento. No centro da saleta havia uma mesa
quadrada de madeira com quatro cadeiras em torno. Sobre a mesa
uma toalha de napa xadrez de vermelho e preto e um vaso de louça com flores de
plásticos. Também havia um pequeno livro de capa preta onde se lia “Bíblia
Sagrada”. Na parede um retrato antigo de um jovem casal, que mais tarde Tião
veio a descobrir que eram seus anfitriões. Saindo para a saleta no seu lado
direito, havia um portal com cortina de pano, que vezes outra se movia com o
vento, mostrando que ali era um quarto de dormir, pois denunciava a existência
da cama do velho casal. Ao lado deste Portal havia outro com cortinas de tiras
plásticas, ligando a sala a pequena cozinha. O piso gastos pele tempo
denunciava a idade da pequena casa.
_ Licença Dona Dita, que vou
entrando. Disse Tião à Velha Senhora.
_ Entra e senta, que eu vô
busca um café pros dois. Disse a velha transpondo a cortina de tiras plástica
em direção à cozinha, de onde exalava um doce aroma de café recentemente coado.
Tião sentou à mesa enquanto
Pedro adentrava ao quarto para deixar sua “boroca[i]”.
Não demorou muito, o velho já estava de volta, vindo a sentar-se a mesa com o
menino, enquanto Dita entrava na sala com dois copos de vidro em um prato até a
boca de café. Os copos eram de embalagem de massa tomate, muito usado pelas
famílias simplórias desse grande país.
_Vão tomando enquanto ainda
tá quente. Disse a Velha descansando a improvisada bandeja sobre a mesa.
Tanto Pedro como Tião
alcançaram os copos e começaram a saborear o forte e doce café. Pedro puxando
prosa com o menino perguntou-lhe o seguinte:
_E daí Tião, que time oçê
torce ?
_ Ué! Torço para o Brasil
como todo mundo!. Disse Tião.
_ Não Tião, que time ocê
torce do Brasil. Num tô falando da nossa Seleção. Explicou Pedro com grande
risada.
_Quando eu morava lá no Porto
dos Gaúchos, na bera do Arinos, eu via a gauchada falá de um tar de Grêmio e Internacionar.
Mais era difícil a gente ouvir o jogo pelo rádio. Uma vez e outra, eu e meu
falecido pai, assitia o jogo do flamengo. Também ouvia falar muito do Timão. – Referindo
o garoto ao Corintihans Paulista,
provavelmente o seu time do coração.
_ Tô perguntado, porque hoje
a tarde vai te jogo no rádio, e se não tivé nada para fazê, a gente escuta.
Tá?!? Disse o velho ao seu visitante, querendo deixa-lo à vontade.
_ Tá bem ! Respondeu Tião ao
velho anfitrião.
Enquanto conversavam, Tião
podia ver pelas esvoaçantes fitas plásticas da cortina que separava a sala da
cozinha, Dona Dita que alimentava o fogão de barro com gravetos de lenha,
certamente buscando com mais brevidade a fervura da água onde depenaria o
frango. Foi quando a velha senhora chamou pelo marido dizendo:
_ Pedro meu véio, prepara a
faca para sangrar o frango. Não demora e a água vai ferve.
_ Ára véia, ôce sabe que eu
não gosto muito de matá os bichinhos. Disse Pedro em seguida.
_ Dexá de se mole Veio, vai
fazê o serviço, o que o Tião vai pensa de ôce ?!? Gostá de cume ôçe gosta ?!?
Tião querendo amenizar a
pequena discussão surgida entre os consortes antecipou a responsabilidade pela
morte da ave.
_ Carma pessoar, não precisa
brigá, eu mato o bicho!
Ambos saíram rindo da sala,
passando pela cozinha indo até o fundo da casa, onde havia um pequeno puxado
coberto de telhas de amianto, onde encontrava-se um poço. Mais ao fundo do
quintal, havia alguns pés de frutas plantados. Tinha Bananas, um Cajueiro, pés
de Mamão e uma frondosa Mangueira.
O frango estava apeado em
baixo de balaio perto do poço aguardando seu cruel destino. Tião pegou a faca
que estava sobre a mesa da cozinha, pendurou a
ave de cabeça para baixo no varal estendido no quintal, e com um golpe
certeiro cortou-lhe a cabeça, deixando-o se batendo pendurado esvaindo-se em
sangue.
_ Pronto Dona Dita, agora é
só depená o baita!
Pedro e Tião então seguiram
para debaixo da sombra da mangueira onde sentaram para prosseguir com a
conversa interrompida por Dona Dita.
Já era próximo das 10:00
horas, quando ouviu-se palmas na frente de casa.
_ Entra fia, vamo chegá. – Escutou-se
Dona Dita falando à menina que
encontrava no portão e que naquele momento acabará se chegar.
Tião que estava de costa para
a entrada do terreno, virou-se em seguida, para notar a bela menina que estava
adentrando ao terreno. Os seus negros e longo cabelos esvoaçavam com a brisa. O
jovem sentiu o seu coração disparar. Era ela, Rosilda o objeto do seu desejo. O
Motivo de estar naquela casa.
Rosilda vestia uma saia
marrom que lhe cobria os joelhos, estava com uma blusa branca com fitas vermelha
bem discreta. Suas vestes era adequada a religião que professava, mas isto não
importava para Tião.
O Coração amargurado do
jovem, pela primeira vez dava sinal que também era passivo de amar. Ali não
somente cabia o desejo de vingança, mas também o desejo ardente de um primeiro
e ardente amor.
CONTINUA.....
[i]
Termo empregado pelos sertanejos para sacola ou mala. Mesmo que matula, bornal.