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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Os cabritos, o Bolinha e a Onça. - contos do passado.



   Era aproximadamente cinco horas da manhã quando o telefone tocou. Eu havia retornado de Juara, onde participei de um baile de formatura por volta das três horas.
   No telefone do outro lado da linha estava Amauri, o empregado da Fazenda, relatando o acontecido. Ele me pedira para levar a “doze” e munição, pois a onça havia matado alguns carneiros e cabritos, próximo a minha casa da sede.
   Respondi para ele que não fizesse nada que logo eu estaria lá levando o equipamento e que esta seria minha, para ter o que contar no futuro para os meus netos.
   Desde quando comecei a abrir minhas terras aqui no Mato Grosso, isto nos idos de 1988, sempre o fiz com uma consciência ambiental, preservando as matas ciliares e cinquenta por cento das florestas que integram minha propriedade.
   A exuberante floresta lá existente é rica em animais silvestres, pois nunca permiti a sua caça. Entre os habitantes selvagens daquelas matas, haviam destemidas e perigosas onças pintadas e as pardas. Ao andar pela propriedade frequentemente eu via rastros na areia do enorme felino.
   Sempre dissera para meus empregados que somente as sacrificassem se estivessem pondo em risco a suas vidas, de seus familiares ou causado prejuízos pegando bezerros, potrinhos e outros animais de estimação.
   Naquela manhã, Amauri relatara que havia cinco animais mortos, três cabritos e duas ovelhas, todas com as jugulares destroçadas pela poderosa mordida do felino. Pelos ferimentos seria uma “Parda” e de grande porte, quiçá a mesma que dias atrás pegara outros cabritos próximo a represa.
   Acordei minha esposa, juntei as ferramentas e os cartuchos, e partimos em direção a fazenda.
   Ao chegar lá, Amauri já me aguardava apreensivo e junto com ele o “Bolinha”, um vira-latas de grande valia, que se revelara um ótimo caçador de onças.
   A história do cachorro Bolinha é muito interessante, que o destino o colocara em nosso caminho. Tempos anteriores, estava saindo à noite de Juara em companhia de minha mulher, quando pelo foco da luz da camionete, vimos um filhote perdido sobre a pavimentação asfáltica.
   Desviei o veículo para não atropela-lo, logo em seguida dizer para minha mulher, que este cãozinho certamente seria atropelado e morreria no meio do trânsito. Parei e manobrei pegando a outra pista, pois minha intenção era resgatar o filhote e leva-lo para casa, quando vi um casal em uma motocicleta que tiveram a mesma intenção parando e resgatando o cãozinho.
   Vendo aquilo fiquei mais tranquilo, pois alguém iria cuidar do filhotinho desamparado e jogado a própria sorte. Passei pelo casal que já estavam com o filhote envolto no casado, para prosseguir  minha viagem retornando a Porto dos Gaúchos, quando o motociclista acelerou a moto emparelhando com meu veículo e dando sinal com a mão.
   Parei a camionete e eles encostaram do lado, era o “Ceguinho” amigo e conhecido meu morador da minha cidade, e foi logo dizendo, que eu tivera a mesma intenção deles, a de salvar o filhote e nisto me alcançou cãozinho dizendo que eu poderia leva-lo.
   Levei-o para fazenda onde cresceu tornando-se um ótimo companheiro de lida e exímio caçador de onças, apesar do seu pequeno porte.
   Naquela manhã de domingo, nos armamos e seguimos em direção da mata próxima à represa, pois acreditávamos que o felino estaria ali, repousando após ter se fartado com o sangue de suas cinco vítimas.
   Amauri levava com ele um revolver calibre vinte e dois municiado com seis balas, já que eu portava a espingarda calibre doze “pump” com seis cartuchos além do inseparável revolver trinta e oito que a muito me acompanha.
   Amanhã estava abrasiva, e caminhamos por muito tempo de um lado para outro, seguindo o bolinha que ia à frente ora farejando ora olhando para os galhos das árvores, comportamento típico de um cão caçador de onças.
   Depois de certo tempo desanimei  da caçada, já que não encontramos o que estávamos procurando. Voltei-me para o Amauri e disse-lhe, que estava exausto e retornaria para casa. Ele respondeu-me que ainda iria andar mais um pouco.
   Retornei para a sede onde minha mulher me aguardava preparando o almoço, desmuniciei a espingarda retirando os cartuchos. Coloquei um velho calção pois gostava de ficar a vontade. E seguida minha esposa chamou-me a atenção, dizendo que estava escutando o Bolinha latindo próximo ao açude.
   Não dei muita atenção, pois havíamos passado várias vezes por aquele local e nada encontramos. Imaginei que decerto seria o Amauri retornando para casa.
   Fui até a geladeira e alcancei uma latinha de cerveja  e quando iniciei sua degustação, minha mulher falou novamente, que havia escutado alguns disparos e já estava longe da represa rio abaixo.
   Repentinamente, escutei o Amauri gritando freneticamente, que havia encontrado a onça e que eu levasse a doze. Vesti uma velha botina que costumava a usar na fazenda, alcancei dois cartuchos empunhando a espingarda e corri em direção aos gritos. Atravessando as pastagens até alcançar a mata ciliar de onde vinha o latido frenético do Bolinha.
   Entrei na mata somente de calção e de botina, carregando a doze e dois cartuchos, vez ou outra os cipós me prendiam e os “arranha-gatos” me tiravam uma pequena lasca de pele com seus espinhos em forma de unhas afiadas.
   Próximo às margens alagadas do “Alfredo Carlson”[1] pude ouvir o Amauri do outro lado do rio, dizendo que a onça havia empoleirado. O rio não estava tão fundo naquele local, onde o atravessei com a água pelo peito com a espingarda acima da cabeça para que não molhasse.
   O Amauri que já me esperava no barranco oposto, gritou para que eu entregasse a arma, decerto com o propósito de abater o grande felino empoleirado e acuado pelo pequeno e barulhento Bolinha. Entreguei-lhe a ferramenta, mas fui logo dizendo que naquela, seria eu que iria atirar.
   Após escalar o barranco do rio, caminhamos alguns metros onde estava o bolinha próximo a um tronco de árvore em que a onça havia empoleirado.
   Eu estava cansando pela corrida que havia dado, pois da minha casa lá, havia um distância aproximada de oitocentos metros, fora os obstáculos encontrado pelo caminho, troncos, cipós e o rio que tive que atravessar.
   A onça estava empoleirada a uns seis a sete metros de altura no meio de uma “garrancheira”[2] de cipós e folhas, quase não dava para vê-la, tanto que apontei a arma para um cupinzeiro no galho oposto em que ela se encontrava.
   Estava cansado suado e sem os óculos, e Amauri percebeu que eu não estava vendo a onça, me interrompeu dizendo que ela estava do outro lado do cupinzeiro bem no meio da “garrancheira”.
   Olhei com maior atenção e vi seu vulto, porém não distinguindo onde estaria sua cabeça ou o seu rabo escondido pelos cipós e folhas da garrancheira onde ela escolhera para sua fuga.
   Passei a mão sobre os olhos, secando o suor que escorrida da minha testa embaçando ainda mais a minha visão, firmando o olhar naquela direção. Quando se vai à caça, o caçador procura atirar na palheta ou na cabeça do animal, ainda mais quando este animal é um feroz e perigoso felino.
   Pensei comigo, que não dava para distinguir onde era a cabeça ou a palheta da onça para que pudesse atirar com precisão. Com receio de errar o tiro, mirei no meio daquela silhueta envolta pelas folhas e cipós, em seguida apertei o gatilho da letal calibre doze. O disparo ecoou mata adentro.
   O felino mortamente ferido despencou lá de cima ainda com vida agarrando nos galhos até cair ao chão. Ferido ainda investiu no Bolinha foi quando apontei-lhe a arma para disparar novamente, o cachorro entrou na frente, e Amauri empurrou o cano da espingarda com receio de que o tiro acertasse o cachorro. Perdemos o último disparo.
   Em seguida vendo a onça se arrastando com as garras da frente esturrando de dor e raiva em nossa direção, gritei para o Amauri que para que atirasse com o revolver, foi quando descobrimos que eu e ele não tínhamos mais munição.
   Fui em direção o felino com a coronha da arma pronto para deferir-lhes golpes e definitivamente mata-la quando me lembrei do pequeno e inseparável facão que Amauri costumava carregar preso no cinto em suas costas, gritei a ele  que me passasse o facão. Amauri retirou o facão da bainha e foi juntamente comigo de encontro ao felino e com um golpe certeiro em sua cabeça acabou de sacrifica-lo.
   Dois caçadores a princípios armados até os dentes, tivemos que  terminar o serviço com um pequeno facão, já que a munição havia ficado em casa por ocasião da correria.
   Em silêncio deixamos a mata carregando conosco a cabeça do felino e alguns carrapatos agarrado em nosso corpo. No íntimo do nosso âmago havia um leve remorso por ter nos levado em estado de necessidade a abater que belo exemplar selvagem.
   Bolinha, como sempre ia à frente farejando os buracos de tatus e troncos ocos de árvores, na esperança de desentocar outro animal qualquer.




[1] Córrego de médio porte, existente na Gleba Arinos.
[2] Denominação dada aos amontoados de galhos, folhas e cipós existentes em algumas árvores ou no chão em vegetação rasteira.

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