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terça-feira, 10 de setembro de 2013

PERSEGUINDO A VINGANÇA. 1ª PARTE.



                                                      PREFÁCIO.

    A partir de hoje darei início a publicação semanal de um conto que venho desenvolvendo, onde procuro narrar de forma simplista e objetiva conflitos cuja origem é a posse pela terra.

    O conto é uma ficção, porém tem muito a ver com a realidade dos conflitos pela terra, onde muitas das vezes acabavam com morte, pois era assim que resolviam as contendas no passado.

    O homem em sua histórica trajetória sempre lutou, matou ou morreu disputando um pedaço de chão. Costumava eu dizer que por dois motivos se matavam antigamente, pela terra ou pela mulher. Mas a terra sempre liderou os conflitos já que era mais fácil trocar de mulher do que perder o chão em que fincava as raízes.

    Atualmente nos grandes centros urbanos, a vida ficou banalizada, onde viciados assaltantes, matam por um celular ou alguns trocados, simplesmente para adquirir o veneno que injetam nas veias ou fumam em um cachimbo improvisado.

    A Justiça Matogrossense sempre foi acusada, e com muita razão, de ser morosa e ineficaz, quando não corrupta como é o caso denunciado recentemente o envolvimento de Juízes e Desembargadores do Tribunal de Justiça com a venda de sentenças e envolvimento com o desvio de dinheiro favorecendo uma determinada Loja Maçônica do Estado.

    Nossa estória narra à vida de um jovem que tendo presenciado a morte violenta do seu pai por pistoleiros esquece os caminhos legais e sai em busca de vingança. Entre sua incansável busca fermentada pelo ódio, encontrou pelo caminho também o amor.

    Procurei usar o linguajar acaboclado utilizado nos meios rurais, pelo nosso sertanejo.

     Como já explicado, é uma estória, seus personagens são frutos da ficção e qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.



                                                   CAPÍTULO I



                     No entardecer daquele princípio de março de 1980 pairava no ar o cheiro suave da mata, onde antigas árvores  pendiam de forma ameaçadora sobre o leito do rio. Grudada nestas esplêndidas espécies, haviam diversificadas parasitas e cipós pendurados, frequentemente alcançando o leito espelhado do Arinos.

                   Descendo rio abaixo, avistava-se próximo a sua margem direita, uma canoa, então conduzida de forma segura por um homem moreno, de aparência esquálida que empunhando o remo com suas rudes mãos calejado pelo árduo trabalho do campo, aproveitava o curso da água navegando corredeira abaixo.

                    O homem levava consigo no pequeno barco, sua mulher que por sua vez levava nos braços uma criança, também ia junto na mesma embarcação um jovem adolescente, que como seu pai, empunhava um remo com o vigor de sua mocidade ajudando a empurrar a canoa rio abaixo.

                   Zé Chico, como era conhecido, estava na popa do barco, olhando sua família com orgulho de um vencedor. Tinha ele próximos trinta e nove anos, moreno magro, e com o semblante queimado pelo Sol Matogrossense. Seu rosto ostentava uma rala barba de sertanejo e em seu corpo cicatrizes da sua luta cotidiana e de picadas de insetos. Sua mulher Maria, mais nova do que o marido, aparentando  uns trinta e dois anos, cabelos presos por um pedaço de elástico entregava o peito a “gurizinha”[1], que carregava no colo, sentava-se no meio. A criança de ano e meio, grudava no seu seio, sugando com força o leite maternal. Seus olhinhos negros como jabuticabas, buscavam o céu azul, enquanto suas mãozinhas espalmavam o seio de sua mãe. O jovem  adolescente, moreno de cabelos lisos e negros, esquálido como seu pai, porém forte para sua idade, fora batizado por Sebastião em homenagem ao avô paterno, ia na proa, remando vigorosamente com os seus dezesseis anos completos. Todos estavam felizes, apesar do cansaço.

                   Zé Chico, perdido em pensamentos, observava a rica flora ribeirinha, olhando as diversas espécies de pássaros que sobrevoavam as árvores e atravessavam o rio de lado a lado. Havia o gritar estridente das Araras, amarelas e azuis, e até as vermelhas, pousadas nos “Buritis” e “Tucumans”[2] avistados entre a selva. Ninhos de “Guachos”, pendurados nos finos galhos do gigante “Angelin”, fazendo a costumeira algazarra do entardecer. Pombas, Macucos e Jaós[3], espreitavam entre as árvores, com o canto melancólico do final do dia.

               Toda aquela orquestra barulhenta era música para os ouvidos do caboclo, que quando ouvia o canto do pássaro o identificava para o filho, acrescentando o nome da ave. O cabloco estava contente, já que estava retornando a sua pequena área de posse, a uns trinta quilômetros rio abaixo, aonde chegaria ao anoitecer.

               Há uns dois anos passados, ele havia estado ali com o primogênito, e havia erguido um barraco feito de lascas de palmiteiro, usando suas folhas como cobertura, que mais tarde fora substituídas por cobertura de tabuinhas. O barraco era simples e tinha somente duas repartições. Na repartição da frente, havia um fogão a lenha, construído sobre quatros cepos de madeira, rebocado com o barro branco retirado da barranca de uma nascente próxima. No centro uma mesa assentada sobre quatro estacas, tendo em cada lado um banco cumprido, onde a família faziam suas refeições. O barraco havia sido edificado, em uma clareira, recentemente derrubada. Pois as árvores e os tocos estavam enegrecidos pela ação do calor das chamas. Pai e filho haviam trabalhado muito, para construir tudo aquilo.

               Ao escurecer, o silêncio tomou conta da mata, ouvindo somente o coaxo dos batráquios, cantar de grilos e algumas aves noturnas. O caboclo conduziu sua canoa até as margens do rio, chegando ao seu destino.

               _ Pule e amarre a canoa, naquela raiz Tião! Falou dirigindo ao filho, que mais do que depressa, saltou da canoa, puxando-a em direção ao barranco, amarando-a firmemente na raiz exposta da árvore ribeirinha.

                _ Tá segura pai. Respondeu Sebastião, para o homem, que ainda permanecia na popa firme ao seu remo.

               _ Desce Maria, e cuida da guriazinha, não vá deixar ela cair. Disse Zé Chico a sua mulher.

               _  Até parece, que dexo caí nossa princesinha. – Respondeu  Maria referindo-se a caçula que estava em seu colo.

_ Rosinha é o tesouro da mamãe. – Dando um beijo na bochecha da criança, que respondeu com um risinho angelical. 

                   Zé Chico esperou a mulher descer da canoa segurando-a firmemente com o remo fincando junto a ela e no leito raso do rio, e em seguida caminhou equilibrando dentro dela, buscando o chão firme do barranco, dirigindo em seguida ao primogênito.

                   _ Tião descarregue a canoa, pegue a lanterna e alumia, o “trieiro”[4] para usa mãe, vê se não tem nenhuma “Pico de Jaca”[5]. – Referindo   a uma das mais perigosas cobras do Floresta Amazônica, a Surucucu.

                   _ Ajude com as compra, meu fio, que o pai leva o resto. Completou Zé Chico, dirigindo ao jovem Tião. O Homem agachou e agarrou firmemente um volume ensacado, erguendo-o até sua cabeça, e todos seguiram na picada a dentro, até alcançar a clareira onde estava erguido o barraco, distante um duzentos metros da barranca do Arinos.

                   Ao chegar à pequena casa, Tião abriu a porta, que estava amarrada por uma tira de trapo, clareando barraco adentro com a lanterna,  a fim de certificar-se não ter nenhum inseto ou réptil peçonhento.

                   Após entrarem na Casa, Zé Chico, descansou o fardo de compras, sobre a tarimba de madeira, que utilizavam de armário, dirigindo-se a um pote de barro, que existia sobre um cepo de Itaúba[6] próximo a entrada do pequeno rancho. Alcançou uma caneca de alumínio, que descansava sobre a tampa do pote, onde havia armazenado água limpa da mina, mergulhando-a pote a dentro enchendo-a de água fresca bebendo-a em seguida, enquanto observava seu filho iluminando o caminho da mãe em direção ao quarto. Maria colocara a criança na rede, pois esta já estava dormindo, cansada da viagem.

                   A mulher retornou a cozinha acendendo a lamparina, feita  pelo marido, em um velho vidro de palmito em conserva, que havia encontrado jogado em um lote vazio na Vila do Sapecado, falando em seguida.

                   _ Vô acendê o fogo, prá passá um café. Ocê menino, vai até o ninho no balaio véio, lá no galinheiro, e pegue uns ovo prá nóis comê. Falou ordenando ao filho, que mais do que depressa, correu em direção ao galinheiro, quase tropeçando na Futrica, a velha cadela magra que chegava correndo festejando a família.

                   _ Êta futrica, sua guaipeca[7], onde que ôce estava. Disse o menino a Vira Lata que o festejava, pulando sobre suas pernas e lambendo sua mãos

                   _ Pára Futrica, vai me babá todo!!! Gritou o moleque para a cachorra.

_Vaí vê, que estava correndo Cateto, lá pras bandas do córgo. Disse Zé Chico, completando com um grande sorriso de contentamento estampado no rosto.

_ Achei um barrero[8], que tá picado do batido deles.

Enquanto pai e filho assistiam à festa da cadela magra, cheia de cicatrizes, provocadas pelos dentes dos bichos da mata, a mulher alcança uns gravetos em baixo do fogão, para iniciar o fogo, juntando o resto de lenha restante da última vez em que utilizaram o fogão.

           _ Anda menino, deixa de embramá[9], e vá buscá os ovos que eu pedi. Falou Maria para o filho, que mais do que depressa, correu em direção do galinheiro, retornando com os ovos, que sua mãe havia pedido.

          _ E ocê Home, vê se se lava, prá depois discansá, que amanhã o dia é cumprido. E ocê Tião faça como seu pai. Falou Maria ao marido e o filho, que insistiam em observar o festejo da cadela no terreiro em frente à porta.

            Pai e filho, dirigiram-se ao quintal, ao lado da casa, onde havia uma tarimba, com uma velha bacia de latão. Tião pegou o balde, e despejou água na bacia para que o seu pai se lavasse. Zé Chico, pegou o sabão sobe a cantoneira da janela, molhando-o  e  esfregando-o nas mãos e braços, lavando também o seu rosto.

           _ Fio pede prá mãe arrumá uma toaia que é prá mim me enxugá. Disse Zé Chico ao filho, que esperava sua vêz.

O menino entrou casa à dentro, retornando em seguida com uma toalha feita de saco de algodão, antiga embalagem de mantimentos, que Maria havia transformado em uma toalha, entregando-a ao seu pai, que lhe disse.

              _ Vai Fio, vê se se lava, prá nóis cumê o ôvo, que tua mãe tá fritando. Pendurando a toalha no prego sob a tarimba, para que o filho a usasse, após ter se lavado.

        Após terem comido, todos se dirigiram ao quarto para o descanso, restando somente o silêncio da noite, coroada pelo canto dos curiangos, e pelo lamento triste do “Oratau”[10].

continua............



[1] Diminutivo de Guria. Termo utilizado em certas regiões do país. O  mesmo que menina ou garota.
[2] Tipos de palmeira muito freqüentes no Norte do país. Os Buritis costumam surgir em lugares úmidos e o Tucumam, também chamado popularmente de “Tucum”, é palmeira espinhosa que produz frutos (cocos) muito apreciados por algumas aves e animais silvestres.
[3] Aves da fauna brasileira.
[4] Termo empregado pelos caboclos e sertanejos indicando picadas ou caminhos abertos na mata.
[5] Cobra venenosa muito temida pelos sertanejos e seringueiros.
[6] Espécie de árvore ou madeira muito utilizada para edificação de cercas e outros utensílios domésticos. É também conhecida por “canela loura”.
[7] O mesmo que “vira latas”, termo empregado para cães sem uma raça definida.
[8] Barreiro, local onde os animais silvestres, como os porcos selvagens utilizam para se refrescar ou se alimentar de minerais.
[9] Embromar ou enrolar, no linguajar sertanejo.
[10] Ave noturna.

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