No
dia anterior, Zé Chico havia sido interpelado por dois homens, lá no boteco do
Julinho, na pequena Vila do Sapecado quando tomava um gole de pinga encostado
no balcão. O estabelecimento construído em madeira serrada atendia a todos os
seringueiros e moradores daquela região, vendendo-lhes aguardente e alguns
gêneros de primeira necessidade.
Zé Chico encontrava-se de pé
em frente do balcão, quando os dois homens, foram ao seu encontro.
_ O Senhor que é o “Zé
Chico”, dono daquela posse Arinos abaixo.
_ So eu mesmo sim senhô. -
Respondeu Zé Chico, aos estranhos que o interpelavam.
Neste momento seu filho Tião,
que estava sentado na mesa ao lado aproximou do seu pai e dois homens que a ele
se dirigiam, observando-os com atenção, já que era a primeira vez que estava
vendo aqueles estranhos forasteiros.
Tião então notou, que um dos
homens, o mais alto, tinha pendurado sobre o peito um cordão feito de uma tira
preta, onde havia pendurado um crucifixo de madeira junto com uma figa de igual
material. O homem tinha sobre sua cabeça um chapéu de abas largas preto, vestia
camisa verde de manga comprida, por dentro das calças de brim preto, onde se
notava um cinto de boiadeiro, com uma grande fivela em forma de ferradura. Seu
rosto esquálido tinha um enorme bigode, amarelado talvez pela fumaça do
cigarro, já que este trazia um no canto da boca. Chamava-se Sebastião, também
conhecido como “Tião Bigode”. O mais baixo, pouco franzino tinha na cabeça um
boné escrito com propaganda de loja de material de construção de cor vermelha,
vestia uma camiseta branca e uma calça jeans preta, e chamava-se Edinho, também
conhecido por “Edi Bala” trazia estampado no rosto um falso sorriso e um fino
bigode sobre a boca. Tião veio a saber depois, que ambos os homens, eram
perigosos pistoleiros.
_ Mais por que me pergunta.
Falou Zé Chico aos homens, ali presentes com seu jeito simples de caboclo.
_ Pois é Seu Zé, aquelas
terras dali, onde o senhor tem a sua posse, pertence ao nosso patrão o Sr.
Durval José Pereira, grande fazendeiro de São Paulo, que a pouco mudou para
esta região, e pretende derrubar uma grande área para formação de pastagens.
Disse “Tião Bigode” a Zé Chico, que
entornava o copo de cachaça, goela abaixo.
_ Acho que deve have um
engano, pois já faz mais de deis anos que corto seringa por aquelas bandas, e
nunca ouvi falar que lá tivesse dono. Respondeu Zé Chico aos forasteiros.
_ Inda tem mais, só que moro
naquele barraco já faiz mais de cinco ano. Acrescentou Zé Chico em sua fala.
Tião Bigode, aproximou-se do
Zé Chico, e com a voz mansa e suave, falando baixo para não ser ouvido por
outros presentes no recinto disse.
_Seu Chico, nestas horas é
preciso ter juízo. O Senhor Durval, tem muito dinheiro. Tem a Polícia e os
Juízes em suas mãos. Acho bom o Senhor deixá aquelas terras, a fim de evitar
problemas.
Zé Chico, entornando outro
copo de cachaça já embriagado pelo excesso de álcool não deu muita atenção aos
seus interlocutores. Tião seu filho caçula, olhava fixamente aos dois homens que
conversavam com o seu pai, tentando ouvir a prosa no meio do burburinho do
boteco.
Quando os homens deixaram o
recinto, Tião foi até o balcão e perguntou para o Julinho.
_ Seo Julinho, quem são esses
homes ?
_ Prá trabalhá pro Durvar,
boa coisa não são!!. Respondeu Julinho, em voz baixa e olhando dos lados.
_ Estes dois na certa são
guachebas do Durvar, estão aqui pra québra de mio. - Dissera Julinho, em seus
termos acaboclado, que os indivíduos eram pistoleiros de aluguel, e que
estariam na região, para cumprir algum contrato de morte. Ouvindo isto, Tião
foi até a Porta do estabelecimento, vendo os dois indivíduos a subirem em uma
camionete e saírem do vilarejo.
O dia já dava sinal de sua
graça, trazendo consigo a algazarra frenética dos passarinhos. Os Papagaios
sobrevoando os pés de Buritis, fazendo grande barulho. As Araras, voavam de um
lado de outro, sempre aos bandos ou em casal. Tião abriu os olhos, e sentiu o
cheiro doce do café recém-coado, que vinha lá da cozinha onde já estava sua
mãe. Zé Chico amolava as facas de cortar seringa, sentado em um cepo próximo a
casa. O jovem espreguiçou em sua tarimba, e em seguida colocou-se de pé,
dirigindo-se quarto a fora.
_Bença mãe!!! Bença pai!!!
Disse o menino dirigindo-se aos seus pais.
_ Bom dia fio Deus te abençoe!!!
- Respondeu sua mãe.
_ Passa uma água na cara e
enxágua a boca, e vem tomá o café. - Completou Maria, dirigindo-se ao
primogênito.
_Teu pai já tá te esperando
prá ôces ir cortá seringa. Tó terminando de prepará o armoço prá ôceis levá. -
Disse Maria ao filho, que preguiçosamente dirigia-se a bacia com água existente
na tarimba fora do barraco.
Futrica a cadela, vendo o
menino havia acordado, veio ao seu encontro pulando em suas pernas.
_ Saí futrica, se não ôce me
derruba. Disse o menino diante da festa que a cachorra lhe fazia.
Tião ao ter se lavado,
engoliu o café preto, após ter comido uns pedaços de torresmos que sua mãe
havia retirado na lata de banha, e lhe trazido com um pouco de farinha de
mandioca. Calçou sua botina e respondeu ao pai que lhe apressava no quintal.
_ Anda moleque, pega a matula
que sua mãe preparou e vamos. Gritou Zé Chico para o filho.
_ Já tô indo pai !. E assim
pai e filho, foram em direção à mata para efetuar o corte das seringueiras,
extraindo o precioso látex que lhe trariam o sustento.
Maria colocou o feijão para
cozinhar, e foi até o mandiocal próximo a casa, e lá chegando, arrancou um ou
dois pés, sendo parte para tratar da criação e o resto para cozinhar para o almoço. Ao fazer
isto, Maria se indagava da importância da raiz para o sertanejo. Depois
dirigiu-se a tábua de lavar roupa, que encontrava-se pregada em um toco de
itaúba próximo ao poço. Ao lado da tábua usada como lavanderia, havia um tambor
de duzentos litros cortado ao meio, onde Maria costumava armazenar a água que
retirava do poço, através de uma corda enrolada no sarilho.
Lá no meio da mata, pai e
filho iam de árvore em árvore, fazendo o corte e fixando os coletores de látex,
recolhendo os que já se encontravam cheio. Nestas idas e vindas, os dois trilhavam
caminhando entre enormes árvores centenárias, sendo que dali mal dava para ver
o céu, de tão frondosas e cerradas. Os odores que vinha da mata úmida, tornava
o caminhar ainda mais saudável. O ar estava impregnado do cheiro do mato, de
flores silvestres de terra molhada. Ah !!..que delícia de vida. Sofrida, porém
inegavelmente saudável.
Os seringueiros, pai e filho,
andando meio as grandes árvores, às vezes transpondo pequenos rios, oriundos
das diversas nascentes existentes entre a selva. Esta riqueza natural, que
serpenteia entre as árvores, frequentemente era utilizado por Zé Chico e seu
filho, matando a sede e amenizando o
calor.
Tião, ao caminhar atrás do
seu pai, ia observando os pés de Buritis próximos aos córregos ou os Tucumans,
que estivessem com frutos maduros, pois sabia que ali, estaria uma ceva natural
dos animais silvestres, especialmente as Pacas, cuja carne e demais apreciada
pelos sertanejos. De vez em quando, ao encontrar um pé de Tucuman, aproximava-se
com cuidado, para não ferir-se em seus espinhos para observar se os frutos
caídos e depositados em seus pés, estavam sendo comidos pelas Pacas. Ele sabia
que os Bichos estavam visitando a ceva, quando encontrava os cocos roídos.
Quando isto ocorrida imediatamente gritava para seu pai.
_ Ei pai, as Pacas tão
batendo neste Tucun!!! Veja quanto coco comido!!!
Zé Chico, para não desanimar
o menino, respondia.
_ Vai marcando, que uma noite
dessas, quando não tiver lua, nóis vamo esperá as baita.
E assim ia transcorrendo o dia,
até das 10:30 horas, já com a barriga roncando pela fome, sentaram sob uma
vasta árvore, com grandes catanas, para saborearem o almoço.
_ Vamo pará prá armoça aqui
meu fio, bem embaixo deste guatazeiro. Disse Zé Chico ao menino de olhos
famintos que o acompanhava.
_ Êta pai, já tava na hora.
Minha barriga, não parava de roncá. Até parece uma pintada !.. - Dissera Tião
ao seu pai, que o respondeu com uma boa risada.
_ Dexa de prosa e vamo no que
interessa. - Disse-lhe o pai, alcançando um pequeno caldeirão enrolado em pano,
dentro de uma matula, entregando ao menino.
_ Taí! pegue o seu boião. -
Completou o homem para seu filho.
Ambos sentaram próximo ao
tronco da frondosa árvore, e iniciaram o almoço. Em cada caldeirão, havia
feijão, arroz, torresmo e carne de porco, além da indispensável Farinha de
Mandioca. Da comida que haviam trazido sempre sobrava alguma coisa, para mais
tarde, antes do retorno para a pequena casa.
Uma vez e outra, Tião
disfarçadamente, longe do olhar de se pai, atirava umas colheradas para a
cachorra Futrica, que sempre os acompanhavam mata adentro, e que naquele
momento ficava ali por perto esperando os costumeiros restos.
E assim ia passado à tarde
até a hora de retornar ao lar, onde Maria os aguardava.
Continua..................