Havia uma brisa fria naquela noite escura com muitas
estrelas no céu. Volta e meia, uma cadente rasgava o véu negro da noite
trazendo ao viajante solitário uma extra distração.
Seu
cavalo andava em passos lentos, pois já havia horas que se colocara em marcha
por aquela estrada empoeirada que cortava as matas daquela região de Paraguaçu
Paulista. Vez e outra o cavaleiro, encontrava uma clareira, e nela uma choupana
edificada, onde não raro enxergava uma luz trêmula talvez emitida por uma
solitária lamparina.
Quando
aproximava da pequena habitação, os vira-latas que a guarneciam já
davam alarme, com os latidos e urros que ecoavam noite adentro. O solitário
viajante prosseguia em seu trajeto, acompanhado de inúmeros e reluzentes
vagalumes, que com suas luzes termitentes davam a noite um espetáculo a parte.
Ele queria chegar
rápido no seu destino, portanto não buscava pernoitar em alguma propriedade de
beira de estrada. O Cavalo dava seu costumeiro sopro pelas narinas para em
seguida receber uma leve cutucada das esporas que seu condutor lhe pregava na
altura do abdômen sem ao menos tirar os pés dos estribos, somente lembrando o
animal para que continuasse sua marcha.
Seu trajeto também era
marcado pelos cantos estridentes de centenas de grilos, sapos e pererecas
habitantes das matas vizinhas.
O solitário cavaleiro
vinha de um patrimônio próximo e dirigia-se para seu sítio distante uns 30 km
sertão adentro, porém ele sabia que no trajeto havia de passar pela cava funda
onde o trajeto cercava-se por barrancos cavados pela ação erosiva da chuva bem
próximo a uma baixada, onde as árvores debruçava sobre a estrada tornando
aquele trecho escuro e assustador.
Contavam os matutos,
que naquele trecho de estrada habitavam os espíritos malignos dos indígenas que
foram massacrados pelos brancos quando ali chegaram com a colonização, e que em
noite escuras vagavam em busca de vingança.
Só de pensar o cavalheiro
sentia um arrepio subindo dos pés ao pescoço, deixando seus pelos eriçados
seguidos de aceleradas palpitações do seu coração sertanejo. O medo por
instantes tomava conta do homem, que mesmo carregando seu revolver de cano
longo e uma velha espingarda pendurada no arreio sabia que contra alma penada e espíritos de
na serviria.
Em alguns trechos do
seu solitário percurso, a floresta invadia a estrada, ele via algum vulto mexendo em sua frente, para em seguida sentir
seu coração palpitar achando que algum ser das trevas já estava ali em seu encalço,
descobrindo depois que era mais uma folha
de pacova balançando com a brisa da
noite. Novamente cutucava seu animal, para que este voltasse ao trote de antes
e assim prosseguia em sua solitária jornada noturna.
Lá pelas tantas,
próximo já da meia noite, chegara ao trecho daquela estrada popularmente
chamada de cava funda e começou a descer sua íngreme ladeira, onde a cada passo
via que os barrancos laterais ficavam mais altos e de seu topo podia se ver as
árvores deitadas sobre o leito do caminho cujos galhos mais pareciam garras
esticadas em sua direção.
Naquele instante
próximo dali, uma ave noturna soltou seu tenebroso canto, que mais parecia um
grito de horror que espalhou noite adentro, assustando não somente o já
assustado e solitário viajante como também o seu cavalo, que por instantes
relutou em prosseguir sua marcha.
O Viajante por segundos
pensou em retornar para a palhoça deixada atrás para lá pernoitar e somente
prosseguir sua viajem no romper da aurora, mas era muito distante para o
retorno e iria demorar muito e ele não podia mais perder tempo. Novamente
cutucou seu animal com as esporas para que ele prosseguisse sua marcha em
direção ao tenebroso, fundo e escuro trecho daquele caminho.
Chegando
na parte baixa do trajeto onde corria um pequeno e raso riacho, iniciou a subir
o íngreme trajeto, podendo notar que seu cavalo se esforçava para prosseguir o
seu trote e ofegava como se carregasse um pesado fardo em sua garupa.
O Solitário viajante
então, sentiu em sua nuca um ofegante e fétido bafo, e olhando de rabo de
olho, pode ver em sua garupa, um enorme vulto negro. O terror tomou conta do cavalheiro que
fechando seus olhos esporava com mais vigor sua exausta montaria querendo sair
daquele local o mais rápido possível, porém, seu cavalo por mais que era
esporado não aumentava sua marcha exausta pelo sombrio e horripilante peso que
tomara sua garupa.
O Viajante aterrorizado
por tudo aquilo, além de prosseguir ferroando o animal com suas esporas,
alcançou o relho amarado na cabeça da
sela, e freneticamente colocou-se a chicotear o cavalo. Por mais que esporasse
e chicoteasse o pobre animal, ele ofegava e pouco andava com o tenebroso fardo
que apossara de sua garupa.
Tempos depois, o pobre
e ofegante animal saiu ao topo do caminho fundo, onde os barrancos já não mais
existiam somente exuberante, porém escura mata para recuperando sua marcha normal
em um quase galope disparar estrada a fora.
O horripilante fardo, o
tenebroso passageiro, não mais viajava em sua garupa, porém o Viajante ainda
pode escutar o grito horripilante que antes ouvira no trecho fundo daquela
assombrada estrada. Grito este que antes confundira como se fosse de uma ave noturna,
para agora crer que era de uma alma, de um espírito, escapado das profundezas
escuras do inferno.
Já era muito passado
daquele horripilante momento, quando avistara em uma clareira próxima outra
choupana cercada por um pequeno pasto onde podia avistar algumas rezes ruminando, pois a Lua havia surgido tímida trazendo
um pouco de luz naquela triste e sombria madrugada.
Sabia o Cavaleiro, que
naquele local funcionava uma vendinha, onde costumeiramente entornava um copo
de aguardente quando ali passava em suas andanças. Encostou seu animal,
desmontando rapidamente, notando que o seu cavalo estava banhando de suor e
sal, cujas virilhas sangravam pelos riscos e cortes causados pelas esporadas e
chibatadas. De uma forma ou de outra aquela alma penada havia se saciado de
sangue, nem que este fosse de um inocente animal.
Chamou o vendeiro, que
saiu em seu socorro com uma lamparina na mão e vendo o terror estampado no
semblante do Viajante, chamou para o interno do humilde comércio lhe servindo
uma boa dose do seu aguardente.
O Cavalheiro mal podia
falar de tanto terror, mas entornou o
copo de aguardente para em um só gole esvaziar o pequeno e grosso recipiente de
vidro. Já recuperado do terror e ainda com a voz trêmula contou o tenebroso fato
ocorrido com ele na cava funda daquele estranho e maldito caminho.
(Fato baseado em contos que meu saudoso pai nos
contava quando criança, que outrora para ele quando criança também fora contado).
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