Páginas

Pesquisar este blog

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A CAVA FUNDA (Conto de tempos passados).



            Havia uma brisa fria naquela noite escura com muitas estrelas no céu. Volta e meia, uma cadente rasgava o véu negro da noite trazendo ao viajante solitário uma extra distração.

         Seu cavalo andava em passos lentos, pois já havia horas que se colocara em marcha por aquela estrada empoeirada que cortava as matas daquela região de Paraguaçu Paulista. Vez e outra o cavaleiro, encontrava uma clareira, e nela uma choupana edificada, onde não raro enxergava uma luz trêmula talvez emitida por uma solitária lamparina.

         Quando aproximava da pequena habitação, os vira-latas que a guarneciam já davam  alarme, com os latidos e urros que ecoavam noite adentro. O solitário viajante prosseguia em seu trajeto, acompanhado de inúmeros e reluzentes vagalumes, que com suas luzes termitentes davam a noite um espetáculo a parte.

Ele queria chegar rápido no seu destino, portanto não buscava pernoitar em alguma propriedade de beira de estrada. O Cavalo dava seu costumeiro sopro pelas narinas para em seguida receber uma leve cutucada das esporas que seu condutor lhe pregava na altura do abdômen sem ao menos tirar os pés dos estribos, somente lembrando o animal para que continuasse sua marcha.

Seu trajeto também era marcado pelos cantos estridentes de centenas de grilos, sapos e pererecas habitantes das matas vizinhas.

O solitário cavaleiro vinha de um patrimônio próximo e dirigia-se para seu sítio distante uns 30 km sertão adentro, porém ele sabia que no trajeto havia de passar pela cava funda onde o trajeto cercava-se por barrancos cavados pela ação erosiva da chuva bem próximo a uma baixada, onde as árvores debruçava sobre a estrada tornando aquele trecho escuro e assustador.

Contavam os matutos, que naquele trecho de estrada habitavam os espíritos malignos dos indígenas que foram massacrados pelos brancos quando ali chegaram com a colonização, e que em noite escuras vagavam em busca de vingança.

Só de pensar o cavalheiro sentia um arrepio subindo dos pés ao pescoço, deixando seus pelos eriçados seguidos de aceleradas palpitações do seu coração sertanejo. O medo por instantes tomava conta do homem, que mesmo carregando seu revolver de cano longo e uma velha espingarda pendurada no arreio  sabia que contra alma penada e espíritos de na serviria.

Em alguns trechos do seu solitário percurso, a floresta invadia a estrada, ele via algum vulto  mexendo em sua frente, para em seguida sentir seu coração palpitar achando que algum ser das trevas já estava ali em seu encalço,  descobrindo depois que era mais uma folha de pacova balançando  com a brisa da noite. Novamente cutucava seu animal, para que este voltasse ao trote de antes e assim prosseguia em sua solitária jornada noturna.

Lá pelas tantas, próximo já da meia noite, chegara ao trecho daquela estrada popularmente chamada de cava funda e começou a descer sua íngreme ladeira, onde a cada passo via que os barrancos laterais ficavam mais altos e de seu topo podia se ver as árvores deitadas sobre o leito do caminho cujos galhos mais pareciam garras esticadas em sua direção.

Naquele instante próximo dali, uma ave noturna soltou seu tenebroso canto, que mais parecia um grito de horror que espalhou noite adentro, assustando não somente o já assustado e solitário viajante como também o seu cavalo, que por instantes relutou em prosseguir sua marcha.

O Viajante por segundos pensou em retornar para a palhoça deixada atrás para lá pernoitar e somente prosseguir sua viajem no romper da aurora, mas era muito distante para o retorno e iria demorar muito e ele não podia mais perder tempo. Novamente cutucou seu animal com as esporas para que ele prosseguisse sua marcha em direção ao tenebroso, fundo e escuro trecho daquele caminho.

Chegando na parte baixa do trajeto onde corria um pequeno e raso riacho, iniciou a subir o íngreme trajeto, podendo notar que seu cavalo se esforçava para prosseguir o seu trote e ofegava como se carregasse um pesado fardo em sua garupa.

O Solitário viajante então, sentiu em sua nuca um ofegante e fétido bafo, e olhando de rabo de olho, pode ver em sua garupa, um enorme vulto negro.  O terror tomou conta do cavalheiro que fechando seus olhos esporava com mais vigor sua exausta montaria querendo sair daquele local o mais rápido possível, porém, seu cavalo por mais que era esporado não aumentava sua marcha exausta pelo sombrio e horripilante peso que tomara sua garupa.

O Viajante aterrorizado por tudo aquilo, além de prosseguir ferroando o animal com suas esporas, alcançou o relho  amarado na cabeça da sela, e freneticamente colocou-se a chicotear o cavalo. Por mais que esporasse e chicoteasse o pobre animal, ele ofegava e pouco andava com o tenebroso fardo que apossara de sua garupa.

Tempos depois, o pobre e ofegante animal saiu ao topo do caminho fundo, onde os barrancos já não mais existiam somente exuberante, porém escura mata para recuperando sua marcha normal em um quase galope disparar estrada a fora.

O horripilante fardo, o tenebroso passageiro, não mais viajava em sua garupa, porém o Viajante ainda pode escutar o grito horripilante que antes ouvira no trecho fundo daquela assombrada estrada. Grito este que antes confundira como se fosse de uma ave noturna, para agora crer que era de uma alma, de um espírito, escapado das profundezas escuras do inferno.

Já era muito passado daquele horripilante momento, quando avistara em uma clareira próxima outra choupana cercada por um pequeno pasto onde podia avistar algumas rezes  ruminando, pois a Lua havia surgido tímida trazendo um pouco de luz naquela triste e sombria madrugada.

Sabia o Cavaleiro, que naquele local funcionava uma vendinha, onde costumeiramente entornava um copo de aguardente quando ali passava em suas andanças. Encostou seu animal, desmontando rapidamente, notando que o seu cavalo estava banhando de suor e sal, cujas virilhas sangravam pelos riscos e cortes causados pelas esporadas e chibatadas. De uma forma ou de outra aquela alma penada havia se saciado de sangue, nem que este fosse de um inocente animal.

Chamou o vendeiro, que saiu em seu socorro com uma lamparina na mão e vendo o terror estampado no semblante do Viajante, chamou para o interno do humilde comércio lhe servindo uma boa dose do seu aguardente.

O Cavalheiro mal podia falar de tanto terror, mas entornou  o copo de aguardente para em um gole esvaziar o pequeno e grosso recipiente de vidro. Já recuperado do terror e ainda com a voz trêmula contou o tenebroso fato ocorrido com ele na cava funda daquele estranho e maldito caminho.

(Fato baseado em contos que meu saudoso pai nos contava quando criança, que outrora para ele quando criança também fora contado).

                 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por sua participação. Seu comentário está aguardando moderação para depois ser publicado.